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Reflexões bakhtinianas sobre o perigo de uma história única.

Isabella Lourenci Kojima

Chimamanda Ngozi Adiche, escritora nigeriana, feminista e ativista, relata em seu livro “O perigo de uma história única”, uma ideia que a auxiliou na diversificação das fontes do conhecimento de histórias, na cautela ao ouvir e acreditar em apenas uma versão dos fatos, a não generalizar vidas e acontecimentos e por fim, a necessidade de questionar, pesquisar e se deslocar do seu lugar a partir de suas experiências. Por conseguinte, sabe-se que o signo ideológico é composto por inúmeras ideologias e a partir da cristalização de ideologias dominantes se constroem no âmbito social os estereótipos, então por motivo desse meio social em que estamos, por influência do que consumimos e por falta de conhecimento, acreditamos em uma única realidade. Dessa maneira, a partir da interação social e esse contato com o signo ideológico em coletividade os sujeitos se conectam pela linguagem e à medida que compreendemos que a língua está inserida no social, pois fora dele não pode haver comunicação, essas relações descritas no livro fazem com que essa interação ideológica construa um enunciado.

Como uma boa contadora de histórias, inicialmente a escritora relembra a sua primeira percepção sobre falas clichês sem se deslocar de onde está, a narradora teve uma infância baseada em inúmeros valores e conhecimentos, sua família convivia com a mãe de Fide, que trabalhavam na casa deles diariamente e por causa dessa colocação social, era cobrada por comer tudo que estava no prato, já que a família do garoto não tinha nada, então por sempre ouvir sermões acreditou que seria certo sentir pena e desprezo pelo menino e a sua família. Um dia, ao visitar a casa deles e ver um cesto lindo, elaborado e super bem desenhado feito pelo irmão de Fide, ficou espantada, pois não imaginava que alguém fosse tão talentoso, até porque ela só ouvia que eles eram pobres, viviam de doações e eram dignos de dó.

Quanto a pobreza dessa história única sobre Fide, temos a conclusão de que se você ouvir apenas uma versão, automaticamente você passa a acreditar nela até alguém te mostrar o outro lado. A linguagem, portanto, nos auxilia nessa posição diante do mundo, ou seja, pode haver inúmeras diferenças que você pode escolher acreditar ou não, afinal é por meio da linguagem que construímos sentidos e que construímos a nossa realidade.

Em seguida, na sua época de estudante universitária, Chimamanda foi alvo do reflexo da imagem generalizada do continente africano, por simplesmente normalizarem que lá é um lugar com guerras, fome, pobreza e isso não estava de acordo com a adolescente que se comunicava através da língua inglesa perfeitamente, que escutava a cantora Madonna e não músicas tribais. Outro exemplo de história única, é a romantização de que o Brasil é apenas o país do futebol e do carnaval e acordo com a autora: “É assim que se cria uma história única: mostre o povo como uma coisa, uma coisa só, sem parar, e é isso que esse povo se torna.” (ADICHE, 2019, p 22), dessa forma esse sistema de crenças vem se propagando e atingindo não só histórias, mas vidas, de forma que estar fora do padrão se torna algo irreal.

Segundo Volóchinov “Uma palavra nos lábios de um único indivíduo é um produto de interação viva das forças sociais”, ou seja, não há como a palavra em ato não ser o resultado (produto) da interação viva social desse indivíduo com os outros e essas ênfases sociais são o meio de comunicação e vivência do sujeito. Logo, a palavra como resultado da interação, é permeada de forças e carrega vários valores, ideologias, crenças e dependendo de como ela é utilizada pode ter uma força negativa ou positiva, pode afastar ou aproximar os sujeitos e os ideais. Na narrativa, o surgimento de estereótipos surge quando a interação social se limita a reproduzir somente um aspecto negativo ou pejorativo, consequentemente criam uma imagem que não condiz com a realidade, nem sempre propositalmente, mas por só ver e acreditar em um lado da história, do signo e o signo, como Volóchinov afirma, comporta duas ou mais faces.

Os indivíduos são complexos e formados por múltiplos aspectos, por isso a compreensão da diversidade se torna uma tarefa mais difícil, sendo assim essa relação do eu com o outro desenvolve um diálogo e a partir das experiências você aprende, como sujeito social, a se deslocar do seu lugar para imaginar o que o outro passa ou passou e não se apropriar de estereótipos falhos e visões únicas. Consequentemente, esse olhar externo não significa que você vai estar na situação e sentir algo, mas como sujeito de conhecimento, cultura, valores, memórias e imaginação é possível se deslocar de seu posicionamento e poder observar as dimensões do ser humano.

Outra história única que recaiu sob as suas vivências, foi sobre o seu trabalho literário, criticado por não ser “autenticamente africano” já que os personagens viviam uma vida normal dirigindo, trabalhando, se alimentando normalmente e não uma vida estereotipada, vivida para os outros por simplesmente a autora ser do continente africano. Desse modo, essa diferenciação entre eu e o outro é uma consequência grave de histórias únicas, pois o que ressoa em alguém é social e essa individualização cria expectativas que nem sempre são atingidas, por isso a construção do sujeito a partir de opiniões, histórias e generalizações deve ser organizada em coletividade, com comunicação e com a interação pela linguagem, afinal o sujeito só se torna sujeito através dessa relação com o outro mantendo as relações dialógicas, sociais, os acontecimentos, as vivências e as representações, assim como nas histórias contadas por Chimamanda.

Ademais, nunca foi tão simples acessar séries, livros, aplicativos e filmes, porém esses produtos repassados transformam visões e distorcem histórias. Então, em tempos de intolerância e radicalismos, a obra de Chimamanda Ngozi Adiche é um convite para aqueles que querem despertar de alguma maneira que a história nunca será única. Portanto não tem como favorecer apenas uma verdade sem outras perspectivas, assim acontece com a linguagem, que é um organismo vivo, em constante mudança e ainda sim querem normalizá-la, prezam o gramatiquês, o purismo linguístico e reproduzem o preconceito linguístico, mas a língua é um ato, um objeto do mundo exterior, se expressar, falar ter uma história significa unir o individual a natureza humana geral e a linguagem junto com a língua proporciona todas essas interações e esse processo de construção de sentido se dá quando rejeitamos uma única história e percebemos que nunca há apenas uma história sobre um lugar, assim ressignificam-se vidas e vivências sociais.

REFERÊNCIAS:

VOLÓCHINOV, Valentin Nikolaevich. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018.

Adichie, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Companhia das Letras, 2019.

ALVES, Bruno. Chimamanda Adichie: O perigo de uma história única. 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc&ab_channel=BrunoAlves. Acesso em: 5 de novembro de 2021.

LUCAS, Antônio. Resenha: O perigo de uma história única. Site Deviante. 2019. Disponível em: https://www.deviante.com.br/noticias/resenha-o-perigo-de-uma-historia-unica/. Acesso em: 6 de novembro de 2021.

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