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O USO DE ATAQUES MACHISTAS PARA O SILENCIAMENTO DAS VOZES DAS MULHERES

Carolina Gomes Sant’ana

No dia 11 de fevereiro de 2020, o deputado estadual bolsonarista André Fernandes (Republicanos-CE) postou em sua conta do twitter: “Se você acha que está na pior, lembre-se da jornalista do Folha de SP que oferece sexo em troca de alguma matéria para prejudicar Jair Bolsonaro. Depois de hoje, vai chover falsos informantes pra cima desta senhora. Força, coragem e dedicação Patrícia, você vai precisar!”. Referia-se à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Todavia, em julho de 2021, ele foi condenado a pagar indenização à vítima de R$ 50 mil.

Entretanto, apesar de ser um caso em que o réu não passa impune (pelo menos legalmente, já que o deputado continua em seu cargo e o caso parece não ter repercutido mais do que isso), o uso de ataques machistas como forma de silenciamento da mulher continua sendo uma prática social comum, ainda mais no atual contexto do Brasil bolsonarista, que vive por uma onda de crescimento da extrema-direita conservadora.

Esta forma de ridicularização da mulher, como forma de desvalorização e silenciamento de sua voz pode ser observada com qualquer mulher que atinge uma posição alta em seu trabalho. Se continuarmos na esfera política podemos observar como Dilma Rousseff (PT), enquanto ocupava cargo de presidente do Brasil, era representada por aqueles contrários ao seu governo, de formas pejorativas, em ataque a sua honra como indivíduo, não governante. Podiam ser vistos adesivos e imagens que a representavam de pernas abertas na entrada de combustível de carros [1], além de receber ataques verbais, chamando-a de vadia, louca, etc. A mulher considerada como “vadia” dentro do patriarcado, é vista como fraca, e digna de desprezo e exclusão social (BEAUVOIR). Mesmo mulheres que assumem posicionamento axiológico semelhante, associando-se à direita conservadora, como a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), é vítima de ataques, como comparações a uma porca [2]. A questão da honra do homem é vista como superior, a ponto que o assassinato de uma mulher em legítima defesa da honra do homem era permitido, e em 2016 um homem foi absolvido do assassinato de sua ex-companheira com tal justificativa em Minas Gerais, e em 2020 o STF acatou essa absolvição. O ato (de feminicídio em legítima defesa da honra) só foi proibido em março de 2021.

Mesmo que, com o decorrer do tempo e com muitas lutas, ela tenha conquistado direitos perante à lei, que lhe possibilitam mais independência e liberdade do homem, ela ainda é vista socialmente como sujeito inferior e secundário (BEAUVOIR), dentro de um sistema que aceita uma ideologia que atua em detrimento à ela. Beauvoir (1980, p.663) ainda afirma: “A mulher que se liberta economicamente do homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à dele.” Segundo Saffioti, mudanças sociais devem acontecer junto com mudanças legislativas, já que, por mais que estas sejam importantes, enquanto perdurarem discriminações perpetuadas pelas ideologias dominantes, aqueles sujeitos prejudicados pelo sistema continuarão sofrendo, já que, aqueles que aplicam as leis, podem optar por ignorar denúncias de vítimas de discriminação.

Assim, observamos como este embate entre ideologias patriarcais (vinda da classe dominante, no caso homens, principalmente brancos e héteros, que impõe a dominação das mulheres, colocando-as em papéis de inferiores e subservientes) e subversivas feministas (que propõe igualdade e empoderamento para as mulheres) se dão no cotidiano, através do discurso, da linguagem. Para Volóchinov:

Todo sistema de normas sociais encontra-se em posição análoga. Ele existe apenas em relação à consciência subjetiva dos indivíduos que pertencem a uma dada coletividade, direcionada por certas normas. O mesmo pode ser dito sobre o sistema de normas morais, jurídicas, do gosto estético […], etc. (2018, p. 175)

Entendemos então que estas ideologias, como construções sociais, existem decorrentes de uma sociedade organizada e capaz de comunicação. Portanto, uma ideologia não é inata, natural e pode mudar com o tempo. Cabe ao sujeito, como indivíduo que é responsável pelos seus atos e que ocupa lugar único na existência (VOLÓCHINOV) tomar consciência das ideologias que os rodeiam para que possa agir de forma ética perante à elas, já que:

Ninguém pode ocupar uma posição neutra em relação a mim e ao outro; o ponto de vista abstrato-cognitivo carece de um enfoque axiológico, a diretriz axiológica necessita de que ocupemos uma posição singular no acontecimento único da existência, de que nos encarnemos. Todo juízo de valor é sempre uma tomada de posição individual na existência; até Deus precisou encarnar-se para amar, sofrer e perdoar, teve, por assim dizer, de abandonar o ponto de vista abstrato sobre a justiça. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 117)

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980a.

BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: A Experiência Vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980b.

CASTRO, R. Deputado bolsonarista é condenado a indenizar jornalista em R$ 50 mil por ataques machistas. O Globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/deputado-bolsonarista-condenado-indenizar-jornalista-em-50-mil-por-ataques-machistas-25118189&gt; Acesso em: 01 de ago. de 2021.

ESTADO DE MINAS. ‘Defesa da honra’: STF acata absolvição de homem que esfaqueou ex em Minas. Estado de Minas. Publicado em 2020. Disponível em: < https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/09/30/interna_gerais,1190201/defesa-da-honra-stf-acata-absolvicao-de-homem-que-esfaqueou-ex-mg.shtml > Acesso em: 01 de ago. de 2021.

SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.

VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: 34, 2018.

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