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(Moro)minions: uma breve reflexão dialógica de um post no Facebook

Natasha Ribeiro de Oliveira

Temos estudado, desde o início de 2018, ano de eleição presidencial no Brasil, o que se tem chamado de “bolsominions” (OLIVEIRA, 2020; PAULA e OLIVEIRA, 2020) e a forma de produção, circulação e recepção deste signo ideológico na rede social Facebook. Brevemente, compreendemos “bolsominions” como um signo ideológico (VOLÓCHINOV, 2017 [1929]) que utiliza uma situação sócio-histórica (uma figura política em um determinado espaço-tempo: o Brasil dos anos 2018 em diante) para criar uma crítica, por meio da sátira/do escárnio, a partir de personagens amplamente conhecidas e consumidas, não só aqui, mas no mundo: os minions, dos filmes Meu Malvado Favorito (2010, 2013, 2015 e 2017).

A crítica, ferrenha, mas também risível, é feita aos apoiadores fiéis de Jair Bolsonaro que, tal qual os minions, seguem um malvado favorito (no filme, esta figura de chefe-vilão é Gru) e tentam agradá-lo a todo custo, pois o seu bem-estar e a sua felicidade são mais importantes até do que a própria felicidade do grupo (o famoso trabalhador que defende e dá a vida pelo patrão). Está feita, assim, a crítica que, dentre tantos formatos, encontra nas redes sociais, como o Facebook, uma forma de circular socialmente, em ambiente on-line. Os posts, que ocorrem no formato de fotomontagem, memes, charges etc. estabelecem uma relação estreita com acontecimentos atuais, portanto, não é estranho o caráter efêmero que esses posts assumem, altamente curtidos e compartilhados em um período e facilmente esquecidos logo em seguida, para que seja dada vida a novos posts, relativos a novos acontecimentos.

Dito isso, refletimos, brevemente, sobre um acontecimento que marcou a cena política do país: o rompimento da aliança entre Bolsonaro e Moro. Como acompanhado no cenário político, Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, caminhavam alinhados e aliados enquanto os interesses próprios de cada um não entravam em conflito. Quando ocorreram consecutivos desentendimentos, as duas figuras políticas desfizeram a união para cada um seguir seu caminho, em meados de maio de 2020. A questão, aqui, não é retomar, historicamente, os detalhes desta aliança política, mas refletir sobre como as duas figuras, antes aliadas, tornaram-se desalinhadas e, como consequência, os atritos de ambos desencadeou na subdivisão do grupo que, até então, era unicamente denominado “bolsominions” para dar vida a um novo signo ideológico: os “morominions”, a partir de um post de Facebook.

Os “morominions” são sujeitos que, como decorrência dos atritos entre Bolsonaro e Moro, decidiram apoiar esta última figura política, por acreditarem em seus valores e ideais. Podemos compreender que os morominions são uma subdivisão dos bolsominions, logo, ex-bolsominions. Perderam a associação a Bolsonaro para ganharem a carga valorativa relacionada a Moro, contudo, não podemos deixar de observar, como a própria constituição sígnica materializa, a valoração presente em “minions”, pois continuam a ser minions, mas agora com um novo malvado favorito a quem devotam seus esforços e defesas: Moro – por isso, (moro)minions. Podemos perceber que o signo ideológico surge motivado, portanto, por um acontecimento político, histórico e social e liga-se de maneira estreita às situações enunciativas em que é utilizado.

Diferente do que temos estudado em nossa tese de doutorado (a relação entre os signos “bolsominions” e “petralhas”), no caso da presente reflexão, vemos um rompimento e subdivisão dentro de um mesmo grupo, antes unido. Interessante pensar no embate dentro de um mesmo grupo pois, a partir disso, podemos analisar a imagem abaixo, objeto da presente reflexão, retirada de uma página de Facebook intitulada “Bolsominions”, bastante ativa na produção e circulação de críticas feitas aos ideais conservadores dos apoiadores de Jair Bolsonaro. No post, podemos ver como este rompimento entre Bolsonaro e Moro foi recebido e elaborado pelo grupo de oposição, sendo, portanto, criada uma crítica em formato de fotomontagem como um posicionamento avaliativo da situação – a vida em ato, o enunciado materializado:

Figura: Bolsominions e Morominions

Fonte: Facebook “Bolsominions” (https://www.facebook.com/osbolsominions/photos/a.180646935828566/653868415173080. Acesso em: 15 set 2021).

Situado de maneira concreta, por ser histórico e cultural, o enunciado materializa, por meio da linguagem em suas mais diferentes dimensões, valorações que são próprias de quem o produz. Logo, os materiais, no caso do post, verbal e visual, significam de maneira integrada, como vemos nos estudos desenvolvidos por Paula e Luciano (2020) – assim como o vocal que, mesmo não materializado, em potência pode ser depreendido como significativo. No post, vemos dois minions em imagem (como estão nos filmes) e dois enunciados verbais que, juntos, em ato, se complementam. Na parte superior da imagem, o verbal “Agora temos”, em caixa alta e na coloração preta, nos indica uma situação de novidade, pelo advérbio “agora”, compartilhada por uma coletividade, marcada pelo verbo “ter” flexionado na 3ª pessoa do plural. As duas imagens de minions, um normal e outro do mal (que, no filme, é um minion normal que toma um antídoto PX-41 que o transforma em um “monstro” aos olhos dos outros minions que não foram contaminados pela mutação), mostram a situação de novidade não relacionada aos “bolsominions”, marcada pelo minion com uma banana na mão, oferecendo ao outro, mas refere-se ao “morominions”, que é a subdivisão do grupo maior e anterior, assim como ocorre no filme.

A diferença entre arte e vida – ou entre bolsominions e morominions, é que os apoiadores de Bolsonaro e Moro não se separaram por conta de um antídoto manipulado e consumido por uma parcela do grupo, mas em razão do desalinhamento entre as duas figuras políticas, o que justificou a criação de uma nova modalidade de servo fiel, que não mais obedece ao Bolsonaro, mas agora ao Moro, o que demonstra uma impossibilidade da existência dos dois contrários como parte de um mesmo grupo, dada a crise vivenciada pelos dois grupos. Interessante pensar, nessas duas imagens materializadas, em como um grupo passa a enxergar outro e, aqui, temos um movimento complexo: o grupo que critica os bolsominions e produz enunciados risíveis sobre o grupo, ao mesmo tempo em que se coloca no lugar dos bolsominions e projeta como eles enxergam os morominions (como minions do mal), como forma de demonstrar que os morominions, enquanto outro-para-mim (BAKHTIN, 2010 [1920-24]) para os bolsominions, se tornaram monstruosos, com um olhar torto, sorriso torto, despenteados e desproporcionais.

Ao mesmo tempo, também podemos ver a visão dos que criticam ambos os grupos, bolsominions e morominions, e avalia a situação de modo a enunciar que, por agora ter os dois grupos, os morominions (dada a caracterização imagética do post) sejam piores do que os bolsominions (também dada a caracterização imagética do post), pois dentre os dois minions, o relacionado a Bolsonaro possui uma caracterização imagética mais branda e “normal” do que o relacionado a Moro – com isso, a situação é avaliada de modo a compreender que ambos continuam sendo minions, seguidores fiéis de malvados favoritos, mas que um grupo é “pior” do que o outro, pela forma como foram representados nas imagens retiradas dos filmes e contextualizadas em relação à enunciativa fílmica.

No processo morfológico de produção, os dois signos ideológicos utilizam a junção para a formação do termo: unem parte ou a totalidade do sobrenome da figura política, “Bolso[naro]” e “Moro”, justaposto ao nome das personagens animadas, “minions”. Entendemos como signo ideológico pois, de acordo com Volóchinov, “[…] tudo o que é ideológico possui uma significação: ele representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é signo” (VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 91 – grifo do autor), logo, tudo o que possui significação/sentido é passível de refletir e refratar o mundo à sua maneira. Os novos sentidos atribuídos aos signos são justamente o que os tornavam vivos, dinâmicos, em constante evolução, pois próprios da linguagem, que é ideológica por excelência.

Moro, amplamente utilizado pelos seus apoiadores como um símbolo de combate à corrupção, representa este ideal para aqueles que optam por segui-lo em meio ao rompimento com Bolsonaro. Ainda que não seja a pretensão da reflexão, de mostrar quais são os ideais de cada figura, limitamo-nos a pensar nesta imagem que o Moro tem na política brasileira pois é como ficou popularmente conhecido, principalmente nos desdobramentos da Lava-Jato (quando, ainda, tinha seus ideais políticos alinhados com os de Bolsonaro). Interessante observar, portanto, em como a caracterização dos apoiadores de Moro torna-se monstruosa e do mal a partir do momento em que se separa dos bolsominions, como um grupo de oposição, isto na visão de quem é o outro-para-mim, pois se torna um monstro a partir do momento em que não se filia mais aos meus propósitos, logo, o monstro é o outro, não o eu.

Contudo, mesmo que a visão seja de um grupo desmembrado e subdividido, não podemos nos esquecer que a crítica ainda continua a mesma, pois é feita a partir de uma página que produz e circula posts de crítica e denúncia contra Bolsonaro e tudo o que representa apoio a este governo. Não importa quem é o minion e quem é o minion do mal, ambos os papéis poderiam ser facilmente intercambiados, pois o interesse na consolidação dos pensamentos de direita e extrema-direita no governo do país são próximos e falam diretamente às duas figuras políticas. Logo, ainda que tenham optado por caminhos diferentes, Bolsonaro e Moro, assim como bolsominions e morominions ainda compartilham (e continuarão compartilhando) o ideal de combate às ideias voltadas ao avanço da democracia, direito às minorias e manutenção de direitos básicos sob a bandeira verde amarela, que camufla o discurso de ódio, o fim de ações afirmativas e a corrupção velada-mas-que-de-velada-não-tem-nada. Bolsominions, morominions ou ex-bolsominions, não importa: continuam sendo minions.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Para uma filosofia do ato responsável. [Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco]. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 [1920-24].

PAULA, Luciane de; OLIVEIRA, Natasha Ribeiro de. (2020). Minions nas telas e bolsominions na vida: uma análise bakhtiniana. Letrônica, 13(2), e36198. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/view/36198  DOI:  https://doi.org/10.15448/1984-4301.2020.2.36198

PAULA, Luciane de; LUCIANO, José Antonio Rorigues. A filosofia da linguagem bakhtiniana e sua tridimensionalidade verbivocovisual. Estudos Linguísticos. São Paulo, v. 49, n. 2 (2020), p. 706-722. Disponível em: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/2691. DOI: https://doi.org/10.21165/el.v49i2.2691.

OLIVEIRA, Natasha Ribeiro de. A febre amarela “minions”: uma análise bakhtiniana. — 2020 282 f. Dissertação (Mestrado em Linguistica e Lingua Portuguesa) — Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara).

VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem; tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo; ensaio introdutório de Sheila Grillo – São Paulo: Editora 34, 2017 [1929].

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