Fábio Augusto Alves de Oliveira
A morte de Marília Mendonça circulou massivamente nos meios de comunicação. De redes sociais a programas televisivos, o ocorrido foi abordado com vários sentidos e em diversos pontos: análises de teor machista e gordofóbico, apontamentos elitistas, relevância da artista no cenário musical no Brasil, sensacionalismo e afins. A lista é ampla. Nesse processo discursivo, bem ou mal, justo ou não, há respostas, variadas e complexas. O que não se pode negar, contudo, é o lugar de Mendonça na cultura.
Primeiro, para compreensão aqui, fica estabelecida cultura como, grosso modo, expressão humana. Com o Círculo, é possível ir mais a fundo. Nos escritos de Volóchinov (2017), Medviedev (2012) e Bakhtin (2011), sujeito é situado em um meio social concreto, em interação com o “outro”. Essa dinâmica entre consciências é fundamental, pois integra a constituição dialógica do sujeito, da linguagem e da cultura. Outro ponto importante é o valor. A interação social está sempre repleta de valorações, a partir das quais o sujeito interage com a vida social.
Em uma interpretação de Volóchinov (2017), a cultura é plena de signos. Em relação, há os pontos de vista distintos entre si que constituem a essência valorativa sígnica. É principal, portanto, pensar cultura como relação e movimento de sujeitos sociais, imersos em teias valorativas. São várias, assim, as dinâmicas estabelecidas no âmbito da cultura, em campos de atividade humana.
Quando trata da constituição do sujeito, Bakhtin (2017; 2011) considera o lugar exotópico fundamental, visto que essa diferenciação determina a interação social. Na compreensão de cultura, a distância também é importante na relação dialógica do sentido. Nessa concepção, cultura é sempre aberta e dinâmica. O autor (2011, p. 366) ainda aponta que o encontro dialógico entre culturas revela a plenitude, a profundidade do sentido. Desse modo, valor, interação e exotopia são pontos constituintes.
No foco da discussão, Marília Mendonça e sua obra está em interação na cultura. Não só as canções, compostas ou não por ela, fazem parte da obra, mas também a encenação em palco, o modo de cantar, de se vestir e afins constituem a identidade de autora Marília Mendonça, cujo arquitetônica trata, em geral, de relações amorosas e seus conflitos e questões. As narrativas são variadas, como traição, superação, despedidas, desilusões. Temas presentes e recorrentes no estilo sertanejo, em que a artista atuava. Não de forma abstrata, o amor, nesse gênero musical, é materializado conforme os estilos autorais, com sujeitos concretos em interação.
O fato é que a grande circulação das canções da artista, evidenciada pelos números e dados de reprodução1, significa um impacto social. Nesse ponto, a obra de Mendonça comunica valores que fazem parte da cultura brasileira e torna a autora uma artista fundamental e relevante para compreensão da lógica de mercado musical, de engajamento em mídias sociais, do impacto de narrativas, de representatividade. Não há aqui como medir em exatos. O certo, como já dito, é o lugar concreto de Mendonça na cultura.
Se a arte é reflexo e refração da vida, conforme diz o Círculo, é correto pensar que a obra de Marília Mendonça materializa a vida social, a cultura em determinado espaço-tempo. Por esse motivo, as canções textualizam tensões sociais, como o papeis de gênero na sociedade e concepções de amor e de afetividade. Não de modo mecânico, Mendonça, enquanto autora, mobiliza, tem adesão, afeta, sensibiliza etc. grandes públicos, fato que traz à tona uma das facetas da arte em sua relação cultural com o sujeito.
Também no fato da morte, compreendida em termos de discurso, a cultura está presente. Em múltiplas respostas ao ocorrido, a gordofobia e o machismo, lógicas presentemente concretas na sociedade brasileira, deram o tom. Da mesma forma, um “intelectualismo musical” que rebaixa a artista e o gênero, esquivando-se da relevância de Mendonça na canção brasileira. Também, a forma como é circulada a notícia: o sensacionalismo e exploração da tristeza em redes sociais são aspectos culturais.
Enquanto sujeito social, a autora Marília Mendonça é constituída na cultura, em vários aspectos. Sem repartições de “alta” e “baixa” ou “elite” e “popular”, a obra em sua relação social justifica o lugar da artista na cultura. Trata-se, pois, de um nome extremamente relevante no cenário artístico-musical brasileiro.
1Disponível em: Aos 22, Marília Mendonça se tornou a mais ouvida do Brasil – 05/11/2021 – Ilustrada – Folha (uol.com.br). Acesso em: 19 de novembro de 2021.
UM LUGAR NA CULTURA: Este texto é uma reposta, de tal maneira que é constituído por diálogos. Nomeio aqui responsáveis nesse trajeto, além dos já presentes nas referências: Ana Carolina Siani, Elizabete Sanches Rocha (e a disciplina “Cultura e linguagem”), Guilherme Galvão.
REFERÊNCIAS:
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João, 2017.
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. 19.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
MEDVIÉDEV, Pável. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012.VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: 34, 2017
Comentários