Bárbara Luqueti Tavares
Vivemos em uma época de monstros, e eles estão bem à nossa frente.
A princípio, pensando na significação de monstro como um conceito que nos permite uma perspectiva privilegiada sobre a sociedade humana, é inverossímil chegar em uma definição conclusiva do que é “monstro”. Pois, estes seres terríveis já não possuem necessariamente características diferentes do “normal”, sendo, portanto, associados a um conjunto de valores morais, que se sobrepõem ao aspecto físico. Tanto conceitualmente quanto relacionados aos temas abordados nas obras cinematográficas de Tim Burton, as quais estão repletas de incontáveis figuras marginais e personagens estranhos.
O fascinante em Burton, é a forma da criação de seu universo a partir de influências geralmente localizadas no Gótico ou do Terror, pois o mesmo dá início às criações por meio delas.
A influência do diretor é usada para um propósito específico. Diante desse fato, Burton presta atenção especial aos personagens marginais e estranhos, que estão em um mundo onírico ou presos entre a realidade e a ilusão. O que de certa forma permite um maior aprofundamento nos temas essenciais em sua cinematográfica, como o grotesco, a loucura, as experiências científicas, a morte, a família e enfim, a solidão. Por conseguinte, esses personagens, que costumam ser vistos como vilões nas narrativas tradicionais, são apresentados como heróis incompreendidos. Deste modo, as obras Vincent (1982) e Frankenweenie (1984), ou criações mais recentes como Edward Scissorhands (1990), Big Fish (2003), The Corpse Bride (2005), entre outros filmes da mesma autoria, são todos considerados partes indispensáveis deste mundo.
Portanto, esse tipo de subversão deu um novo sentido à história, criando um espaço de integração para aqueles que estão alinhados à estrutura marginal da sociedade e que são incompreendidos por suas diferenças.
Cada herói chega a ser uma voz-postura em um diálogo inacabado (Dostoiévski, Um pequeno herói, 1996, p. 367). O mundo concebido assim se modela em visões do mundo materializadas nas vozes (Dostoiévski, Um pequeno herói,1996, p. 354).
Existe, por parte do realizador, um investimento estético e emocional nestas figuras em que, ao invés das habituais histórias de Horror, é notório as histórias sobre honestidade, abertura, integridade e a força da criatividade. Sendo assim, por outro lado, os mocinhos postos nas narrativas pela visão tradicional, são apresentados como vilões, que enganam e são saciados pelo desejo de ganância e de deturpação.
Em vista dos fatos mencionados acima, o filme The Corpse Bride (2005), baseado em uma história russo-judaico do século XIX com a Inglaterra vitoriana fictícia como plano de fundo.
Figura 1: The Corpse Bride (2005) – Lorde Barkis bebendo veneno. Fonte: https://aminoapps.com/c/walkersbramino/page/item/corpse-bride/1xJB_PsrIderrGmNLrMKZWN4k4eW8w4a8
O filme conta a história de Victor Van Dort, um jovem filho de novos-ricos comerciante de peixes, destinado a casar-se com com Victoria Everglot, filha de nobres falidos, em uma pequena aldeia europeia. Este casamento é desejado por ambos os pais, em razão do aumento do status dos pais de Victor na sociedade, e também na recuperação de um status grandioso dos pais de Victoria, os quais poderão usar o dote de sua filha para recuperar a glória da família.
Durante o filme, Victor acaba interrompendo o ensaio do casamento devido à tensão, o que o levou a tentar repetir seus votos sozinho na floresta. Sem sucesso, ele repetiu sua promessa uma última vez, e o resultado foi perfeito. Contudo, ao repetir os votos acaba colocando a aliança no que parece ser um velho galho em forma de mão, que na verdade é o braço esquelético de Emily, uma noiva que foi assassinada quando tentou fugir com seu grande amor, tornando-se, portanto, a noiva cadáver.
Victor e Emily vão para o mundo dos mortos, pois a mesma está convencida de que encontrou um novo amor e de que ficou noiva. Entretanto, na terra dos vivos, acreditavam que Victor tinha fugido da cidade com intenção de não se casar, diante do ocorrido, os pais de Victoria obrigam a jovem a se casar com Lorde Barkis.
No final do filme durante a cerimônia de casamento, Victor encontra-se de novo com Victoria, acabando por ficar com esta. Lorde Barkis, um estranho enriquecido por ter matado Emily, a noiva cadáver, quando viva, ficando então com o seu dinheiro. Após o Lord ter sido desmascarado, morre bebendo o veneno destinado a Victor, confundindo-o com vinho. Emily aceita que Victor fique com Victoria e está finalmente fica em paz após terem descoberto quem era o seu assassino.
Figura 2: The Corpse Bride (2005) – Lorde Barkis bebendo veneno. Fonte: https://aminoapps.com/c/walkersbramino/page/item/corpse-bride/1xJB_PsrIderrGmNLrMKZWN4k4eW8w4a8
Sendo assim, centralizando o personagem Lord Barkis, sendo visto tradicionalmente como um lorde, uma imagem de homem rico e admirado, perante a todos, contudo, este homem é um golpista que se casa, mata suas mulheres e rouba o dinheiro delas para viver de maneira luxuosa, não se esforçando e roubando daqueles que trabalham arduamente. Fez isso com Emily e tentou com Victoria, mas foi morto ao tomar veneno achando que era vinho. Age racionalmente em relação a fins ou objetivos quando mata as mulheres só pelo dinheiro delas a fim de ter suas riquezas para sempre. Sendo este, portando um enunciado evidente de Burton sobre os determinados grupos sociais e os olhares que o constitui referente ao mundo.
As obras de Tim Burton sempre buscam questionar os valores e padrões sociais presentes e amplamente reproduzidos em determinados grupos, deste modo, esses valores sociais se dão por meio dos heróis e dos vilões, sendo eles personagens desajustados, deslocados do ponto de vista da normalidade padronizada.
De acordo com o pensamento bakhtiniano, toda construção enunciativa possui caráter valorativo frente a outras produções enunciativas. Isso marca a função do enunciado e colabora para a compreensão de que um estilo autoral que não se define exclusivamente como individual, ainda que seja uma parte do ato singular. O traço de singularidade não exclui a marca social que caracteriza o estilo, uma vez que o autor-criador dá forma aos conteúdos temáticos de suas obras com seus traços específicos sem estar apartado da “realidade” social.
Dito isso, vale ressaltar e dizer, no mesmo sentido, no contexto da situação atual do Brasil, que a gestão governamental bolsonarista construiu uma aliança com batistas, presbiterianos, metodistas e luteranos que historicamente exerceram influência nacional. Bem, como por seu desprezo pelo povo e pela falta de logística em uma crise pandêmica, ao mesmo tempo o genocídio diário a que o país está exposto também mancha as mãos dos líderes do cristianismo hegemônico que os apoiam desde 2018.
A massa bolsonarista composta por membros das igrejas e fiéis simpatizantes do mundo evangélicos seguem como fonte de apoio inabalável. Esta cultura formou uma geração entre evangélicos e cristãos cuja expressão religiosa é ancorada em chavões, como por exemplo “Jair Messias Bolsonaro”, onde o Messias apresenta um significado muito forte para os mesmos seguidores com “aquele que foi enviado por Deus para nos salvar”.
Perante o exposto, no início no ano de 2019, Jair Bolsonaro, em sua conta no Twitter, republicou um vídeo do religioso dizendo que os católicos têm o direito de usar armas para sua legítima defesa e a partir disso, o Padre Edvaldo Betioli, compartilhou em suas redes sociais vídeos e mensagens do Presidente, o Padre também atacou o ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva de “bandido” e “apedeuta”, além dos vários ataques ofensivos ao PT.
Este mesmo sacerdote, postou um vídeo do Presidente Jair Bolsonaro defendendo a cloroquina como solução para a Covid-19 e anunciando que o exército começaria a produzir esse produto em larga escala, mesmo sem nenhuma prova de sua eficácia, além de dizer que a Organização Mundial de Saúde inventou a pandemia “que deixou o mundo louco”. Além disso, Betioli elogiou os evangélicos por continuarem a realizar cultos religiosos e a manter as igrejas abertas, visto que Bolsonaro indagou que a decisão do STF sobre as igrejas é “absurda por absurdo”.
Ademais, são dois dos muitos religiosos católicos conservadores, os Padres Betioli e Paulo Ricardo estando extremamente ativos nas redes sociais que atuam como porta-vozes da agenda, daí a TV católica “é poder” e anunciaram que querem estar ao seu lado do Presidente e “caminhar juntos” e “Construindo um Brasil melhor”, pois o Governo Bolsonaro trará essa divindade.
O indivíduo deve tornar-se inteiramente responsável: todos os seus momentos devem não só estar lado a lado na série temporal de sua vida, mas também penetrar uns aos outros na unidade da culpa e da responsabilidade. (BAKHTIN, 2011, p. XXXIV).
Figura 3: Padres pró-Bolsonaro defendem uso de armas. Fonte: https://extra.globo.com/noticias/brasil/padres-pro-bolsonaro-defendem-uso-de-armas-para-legitima-defesa-23354568.html?topico=jair-bolsonaro
A obra Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin (1995) propõe um signo como um produto semiótico e ideológico da realidade. Para ser semiótico, todo signo precisa de um corpo físico ou material e de uma significação, as palavras representam signos ideológicos socialmente estabelecidos enquanto forem usados, ou seja, toda criação ideológica deve ser vivida pelo discurso. Assim, para o círculo, o discurso produz uma imanência a partir da estrutura de ideologias pré-formadas, respaldadas por palavras que são verdadeiros signos de ideologia.
Cada signo ideológico não é um simples reflexo da realidade, mas também seu fragmento material, de modo que o mesmo reflete e refrata a realidade de cada esfera ideológica, podendo distorcê-la, ratificá-la ou capturá-la de um ponto de vista específico, assim como o próprio discurso manipulador do Presidente Bolsonaro, além da cópia e da transmissão da massa bolsonarista.
Diante desta discussão, a semelhança que temos entre o personagem Lorde Barkis em, The Corpse Bride (2005), com os religiosos mencionados acima, é de que, tradicionalmente por uma visão social instaurada é uma alegoria exemplar, que mostra uma imagem de pureza, de grandeza, bondade e paz, quando na verdade se têm o oposto, um lado hipócrita, uma personificação de ódio, de discursos e ações que menosprezam e agridem a segurança do outro.
Desta forma, não só estes seguidores compactuam com a mesma linguagem do Presidente, mas também como foram postos pelo próprio governante figuras religiosas, Padres em específico, nos órgãos governamentais, como o Ministro da Justiça, André Mendonça e também o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, os quais vão ao encontro das ordens do Presidente. Por fim, o discurso de uma imagem governamental influencia e manipula, muitas pessoas, e é de se estranhar que a maioria das entidades religiosas, que deveriam pregar a segurança e o amor ao próximo, estão ao lado de um homem que menospreza e ri da população brasileira, sendo enfim, ele mesmo o verdadeiro monstro.
Figura 4: O verdadeiro monstro Fonte: https://istoe.com.br/os-23-pecados-capitais-do-governo/
Referências Bibliográficas
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.
PAULA, Luciane de. Círculo de Bakhtin: uma análise dialógica de discurso. Revista de Estudos da Linguagem, v. 21, n. 1, p. 239-257, 2013. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/125169.
Padres pró-Bolsonaro defendem uso de armas para legítima defesa, 2019. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/padres-pro-bolsonaro-defendem-uso-de-armas-para-legitima-defesa-23354568.html?topico=jair-bolsonaro
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